Há alguns
anos decifrei um enigma que me atormentava desde minha infância. Estou
atualmente com mais de meio século de existência, mas a verdade veio finalmente
à tona para meu alívio. Desde criança eu curtia as revistas em quadrinhos que
me ofereciam uma quantidade sem fim de heróis e super-heróis de diversas
origens e formatos que preenchiam, digamos, o meu vazio existencial. Um dos heróis
que mais me “fizeram a cabeça” foi o Cavaleiro Negro, um justiceiro que agia no
território do Texas usando um lenço para encobrir o rosto, além de vestir roupas
negras e uma capa vermelha (estilo Superman). Ele não voava (apesar da capa), mas
tinha um cavalo branco que se chamava Satã que o acompanhava em suas aventuras.
Como todo herói mascarado que se preze, o Cavaleiro Negro tinha sua identidade
secreta, nas horas de “lazer” ele era o pacato Dr. Robledo que morava na cidade
de Laredo. Entretanto, seu cavalo também assumia uma uma outra identidade, a de
um pangaré que Dr. Robledo chamava de “Moleza”.
Uma versão clássica do Cavaleiro Negro desenhada por Juarez Odilon, e não por Walmir Amaral, como muitos pensam |
Bem, além de
curtir as aventuras dos meus heróis, eu também me interessava em saber quem as
desenhava e as escrevia. Eu tinha o dom para desenho e aprendi a desenvolvê-lo
justamente tentando reproduzir as figuras das revistas que eu colecionava. No
caso do Cavaleiro Negro, eu tive dificuldade para indentificar de imediato o
meu desenhista favorito dentre tantos outros que também desenharam o
personagem.
As capas das
revistas eram geralmente desenhadas pelo brasileiro Walmir Amaral nos anos de
1970. Walmir chegou a desenhar algumas
histórias do Cavaleiro Negro e assim aprendi a reconhecer seus traços agradáveis
e perceber que ainda assim não eram tão atraentes como os do desenhista
desconhecido que eu tanto admirava. Deixando claro que Walmir sempre foi um
mestre dos quadrinhos para mim.
Outros
desenhistas brasileiros como ele, foram subestimados e não tiveram o
reconhecimento devido, apesar de uma quantidade extraordinária de trabalhos
realizados durante mais de três décadas, como, por exemplo, o cultuado Eugenio
Colonnese (italiano de origem, mas brasileiro por convicção) e o mineiro Mozart Couto (profissional desde 1979). Mas graças à internet que proporciona um acesso ilimitado de
informações, comecei a pesquisar e visitar sites especializados nacionais e
estrangeiros e achei a origem do personagem Cavaleiro Negro, seus principais
desenhistas e sua saga aqui no Brasil.
Capas das revistas do Cavaleiro Negro no Brasil e Black Rider nos EUA |
A Saga do Cavaleiro Negro – O
personagem surgiu na revista All-Western Winners da Marvel Comics em 1948, nos
Estados Unidos. Originariamente chamava-se Black Rider, mas ficou conhecido no
Brasil como Cavaleiro Negro nos anos de 1960 e 1970 e, posteriormente (numa
releitura do personagem), como Black Mask.
A identidade
secreta de Black Rider (o original) era Matthew Masters, um fora-da-lei
conhecido como Cactus Kid, que fora capturado e perdoado pelo governo com a
condição de que abandonasse o crime e as armas, estudasse e se formasse em
alguma profissão para viver uma vida pacata e produtiva. A escolha de Masters
foi a Medicina. No Brasil, a identidade secreta de Black Rider era Doutor Heron
Robledo, que vivia em Laredo e redondezas, no estado do Texas. Na versão
americana, a cidade do Doutor Masters era Leadville. Doutor Robledo (ou
Masters), era conhecido por ter aversão às armas e, portanto, considerado
covarde pelos habitantes de Laredo (ou Leadville), mas em contrapartida,
reconheciam-no como um excelente profissional médico.
A fama de
covarde era um ótimo disfarce (além dos óculos) para Dr. Robledo agir como um
justiceiro mascarado sem causar suspeitas. Ele usava um lenço escuro para
encobrir o rosto, além das roupas e chapéu também negros.
Tiras do Cavaleiro Negro publicadas no Brasil nos anos de 1950 e 1960 |
Seu
“uniforme” de luta lembrava a outro herói pistoleiro muito conhecido da TV e quadrinhos, o Durango Kid. A diferença básica entre os dois é que o
Cavaleiro Negro usava uma capa negra (que mais tarde se tornaria vermelha como
a do Super-homem) e a identidade de Durango Kid era a de um valente Delegado
Federal.
Ambos tinham
um cavalo branco, o do Dr. Robledo chamava-se Moleza, mas quando seu dono se
“transformava” em Black Rider ou Cavaleiro Negro, Moleza (Ichabod, na versão
americana) deixava de ser o pangaré para se transformar no corcel fogoso
chamado Satã.
Durango Kid dando uma de Cavaleiro Negro no Brasil |
É interessante saber que em determinada temporada, as aventuras
do Durango Kid (mais tarde, publicadas pela EBAL) eram apresentadas como se
fossem do personagem Black Rider (ou Cavaleiro Negro) no Brasil.
Black Rider
fez um grande sucesso no Brasil de 1949 até 1952 na revista Gibi Mensal,
publicada pela Rio Gráfica Editora, criado e desenhado pelo ilustrador norte-amercano
Syd Shores.
Gringo (ou Ringo) do ilustrador espanhol Suso Peña |
Surge Gringo para salvar o Cavaleiro Negro
– A Marvel teria parado com as histórias
de Black Rider em meados dos anos de 1960 nos EUA, mas devido ao grande sucesso
do personagem no Brasil, a Rio Gráfica Editora (RGE) resolveu improvisar e dar
continuidade à revista.
A solução
foi maquiar os quadrinhos de um personagem de bang-bang de origem espanhola, chamado
Gringo (ou Ringo) conforme a editora publicadora. Assim, foi dado a alguns
desenhistas brasileiros a incumbência de
retocarem Gringo, acrescentando-lhe chapéu, roupas e máscaras negras, além de
escurecerem seus cabelos, pois o personagem original espanhol era loiro. Apesar
das versões de Gringo retocadas, muitas aventuras inéditas do Cavaleiro Negro
foram produzidas por artistas nacionais para saciar os fãs do personagem. Os
principais artistas brasileiros que desenharam o Cavaleiro Negro foram Milton
Sardella, Juarez Odilon, Gutemberg Monteiro e Walmir Amaral.
Exemplo 1 - Ringo retocado se transforma no Dr. Robledo (Cavaleiro Negro) no Brasil |
Exemplo 2 - Gringo retocado por Walmir Amaral se transforma no Cavaleiro Negro, para o desconhecimento de Suso Peña, que está retratado por ele mesmo nessa tira cravando a placa do "end" |
O autor original
de Gringo (ou Ringo) era o ilustrador espanhol Suso Peña, um desenhista de
quadrinhos reconhecido em seu país, que dentre outros personagens desenhou
também Jeff Blake, o Homem de Pinkerton, que saía na Revista Kung, publicada
pela EBAL, nos final dos anos de 1970.
O personagem Jeff Blake, o Homem de Pinkerton, que saiu no Brasil nas Revistas Kung Fu da EBAL nos anos de 1970, também foi desenhado por Suso Peña |
Assim,
finalmente descobri o nome do meu desenhista preferido de o Cavaleiro Negro,
que era na verdade, o espanhol Suso Peña. Não sei se Peña teve conhecimento que
seu personagem Gringo sofria retoques dos desenhistas brasileiros, de qualquer
forma seu trabalho foi reconhecido por aqui, ao menos por mim.
Algumas capas da Revista Cavaleiro Negro desenhadas por Walmir Amaral que foram publicadas no Brasil nas décadas de 1960 e 1970 |
O desenhista
brasileiro que mais desenhou o Cavaleiro Negro (de minha preferência), seja
retocando os desenhos de Suso Peña ou criando suas próprias estórias, foi
Walmir Amaral. A maioria das capas das revistas do Cavaleiro Negro nos anos de
1970 foram desenhadas por Walmir, assim como as capas e mesmo algumas aventuras
de outros personagens consagrados como Fantasma, Mandrake, O Vingador, Zorro (de capa e espada) e outros,
todos pela RGE.
O mestre espanhol da ilustração, Jesús de la Peña Santiago Rego |
Suso Peña – Jesús de la Peña Santiago
Rego, nasceu em Ribadeo en 02 de junho de 1941. Depois de servir o serviço
militar no corpo de paraquedistas, trabalhou no chamado Grupo de la Floresta,
uma equipe de ilustradores debutantes quem em 1967 instalou um estúdio num
chalet de La Floresta, em Barcelona. O grupo era formado por Suso, Adolfo
Usero, Ramón Torrents, Esteban Maroto, Luis García e Carlos Giménez. Suso
compartilhou muitos trabalhos com o grupo de la Floresta e dando continuidade à
sua carreira, desenhou para Sellecciones Ilustradas ; pela agência Josep
Toutain teve seus trabalhos publicados na Alemanha; pela Editora editora
Fleetway seus traços foram apreciados na Grã-Bretanha; e, em seguida, pela
editora norte-americana Warren Publishing, desenhou para revistas especializadas
em quadrinhos de terror. Nos anos de 1980, Suso abandonou as hqs para
dedicar-se à fotografia, desenho gráfico e, nos anos de 1990, à realização de
infografias e desenhos de páginas para a web.
Suso Peña em seu estúdio |
Suso de la
Peña faleceu em 02 de fevereiro de 2005, aos 64 anos, na sua cidade natal,
Ribadeo. Em 4 de fevereiro de 2006, foi inaugurado um centro de exposição com
seu nome no bairro de San Lázaro, em Ribadeo.
Cartaz celebrando os 10 anos da morte de Suso Peña |
Dentre seus
trabalhos mais famosos, se destacam: Cinco x Infinitus (em Delta 99, 1968);
Safari en África (em Gran Pulgarcito, 1970); Gringo (em Gringo, 1970); La Cobra
de Rajasthan/Aventuras en la Selva (em Trinca, 1971); La Saga de las Víctimas (em
Dossier Negro, 1975); Jeff Blake, el Hombre de Pinkerton (em Kung Fu, 1977); e Wheeler
(em Avui, 1983).
Walmir Amaral, a lenda viva dos quadrinhos nacionais |
Walmir Amaral – O lendário desenhista
brasileiro nasceu em 1939, no Méier, na cidade do Rio de Janeiro, em plena
Segunda Guerra Mundial. Aos 15 anos já desenhava estórias em quadrinhos
pornográficas para consumo próprio, já que (por ser menor) não podia adquirir
as famosas revistinhas desenhadas por Zéfiro nas bancas, naquela época. Precoce
em tudo, aos 17 anos, namorava com uma mulher mais velha que coincidentemente
era secretária de um alto funcionário da Editora Rio-Gráfica (mais tarde,
Editora Globo) nos anos de 1960. Ao ver seus desenhos, ela o indicou e ele logo
foi contratado pela editora. Foram mais de 30 anos de sucesso desenhando
histórias e capas para as mais diversas revistas.
Heróis dos quadrinhos que passaram pelos traços marcantes de Walmir Amaral: Cavaleiro Negro, Fantasma, O Vingador, Cavaleiro Fantasma, Mandrake e Flecha Ligeira |
Para citar alguns heróis em
quadrinhos que passaram por seu traço inconfundível, podemos citar o Cavaleiro Negro, Fantasma, Mandrake,
Vingador, Cavaleiro Fantasma, Flecha Ligeira, etc. Walmir doou quase todo o seu
acervo e originais para alguns fãs, para ele a era dourada das hqs já passou e não
vê nenhum futuro promissor para os quadrinhos atualmente. Hoje em dia, Walmir
produz material didático para CCAA, e também faz camisetas, banners e folhetos
para blocos de carnaval. O mestre do desenho, Walmir Amaral, está atualmente com
76 anos.
O Fantasma numa versão caprichada para capa de Walmir Amaral |
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