13 de dez. de 2008

BETO GUEDES - AMOR DE ÍNDIO

Beto Guedes, ao meu ver é uma das figuras mais carismáticas e talentosas da MPB. Não sei bem se a mídia não lhe deu justo crédito ou o próprio artista pela sua simplicidade e notória timidez, fugia dos holofotes quando podia. Dono de uma voz frágil em falsete, ele sempre ofereceu o que tinha de melhor, uma sensibilidade única e de certa forma ingenuamente romântica, que reflete em sua música e poesia, imagens quase místicas e utópicas de um mundo que só ele vivencia ou anseia desfrutar, numa mistura genial de chorinho e rock. 

Beto Guedes fã de rock e chorinho
 Alberto de Castro Guedes nasceu em Montes Claros, Minas Gerais, em 13 de agosto de 1951. Desde a adolescência tocava em bandas formadas em Belo Horizonte explorando o repertório dos Beatles, aliás seu conjunto se chamava The Bevers e os outros componentes da banda eram os irmãos Yé, Márcio e Lô Borges. O jovem músico ao voltar para Montes Claros por um período começa a participar de outro grupo, o Brucutus, onde animava as festinhas durante as férias tocando Beatles, Renato & Seus Bluecaps, Roberto Carlos, etc. Aos aos 18 anos participou do V Festival Internacional da Canção em 1970, com sua composição “Feira Moderna”, em parceria com Fernando Brant. Tendo a música mineira como uma de suas principais influências - ao lado do rock dos Beatles e The Byrds e dos choros que o pai seresteiro, Godofredo Guedes, compunha - participou ativamente do Clube da Esquina, banda que projetou nacionalmente os compositores mineiros (de nascimento ou de coração) como Milton Nascimento, Lô Borges, Fernando Brant e o próprio Beto Guedes. 
Beto Guedes, mineirinho de Montes Claros
Participou do primeiro LP do grupo, Clube da Esquina (1971) e da edição de Clube da Esquina (1979). Foi acompanhado pelo também grupo mineiro 14 Bis e em 1977 lançou o primeiro LP, A Página do Relâmpago Elétrico que superou as expectativas e que tinha “Lumiar” como faixa de destaque, além de “Maria Solidária”, “Tanto”, “Nascente” e “Salve Rainha”. No ano seguinte, o disco Amor de Índio traz na faixa-título o maior sucesso de sua carreira e as pérolas “Feira Moderna”, “Novena”, “O medo de amar”, “Luz e Mistério” e “Gabriel”, se sobressaindo num excelente álbum que teve as participações de Toninho Horta, Wagner Tiso, Fávio Venturini e Tavinho Moura. Em 1980 lança o LP Sol de Primavera, no qual se destacam a faixa-título, “Roupa Nova”, “Norwegian Wood” (dos Beatles com Milton Nascimento), “Pela Claridade de Nossa Casa” e a inesquecível “Casinha de Palha”. No ano de 1983 sai o álbum Contos da Lua Vaga, com as faixas “Contos da Lua Vaga”, “Canção do Mundo Novo”, a lindíssima “O Sal da Terra” e “Sete Flautas”. Em 1984 o LP Viagem das Mãos, trouxe seu segundo maior sucesso “Paisagem da Janela” de Fernando Brant e Lô Borges. Em 1986, saiu LP Alma de Borracha, (título que vem de Rubber Soul, disco dos Beatles) dando-lhe seu 1º Disco de Ouro, ultrapassando a marca de 200 mil cópias vendidas com as faixas “Alma de Borracha”, “Calor Humano”, “Lágrima de Amor”, entre outras.
Beto Guedes com Lô Borges e Milton Nascimento
 Em 2004 reaparece inspirado com o CD Em Algum Lugar, com as faixas “Até Depois”, “Sonhando por Nós”, “Lamento Árabe” (de seu pai Godofredo Guedes) e “Júlia” (de Gabriel Guedes, seu filho), dentre outras contidas num ótimo trabalho. Infelizmente o tempo é implacável mesmo para caras como Beto Guedes que deveriam ser imunes à sua ação. Ele representa uma geração de ouro da música mineiramente brasileira que insiste em sobreviver e lutar contra o sistema que aposta cada vez mais no lixo descartável. 
Mas temos a esperança que a tradição musical da família Guedes mantenha acesa a chama ardente da diferenciada e qualificada música das Minas Gerais. De qualquer forma, a obra de Beto Guedes ainda está inacabada, pois ele continua na ativa, mas sua criação está cravada na história da MPB e está acessível para todos, sejamos novos fãs ou saudosistas de uma época que não volta mais. Para finalizar, Beto tem outra paixão além da música, e é por aviões, apesar de assumir o mêdo de voar. Atualmente alterna os instrumentos musicais com as ferramentas e macacão de mêcanico para montar aeromodelos e voar em aeroplanos.  Será? E sabe qual o seu filme predileto? Império do Sol, é claro! Onde desfilam nos céus os “Zeros” dos pilotos japoneses kamikazes e os Mustangs da USAF.

Discografia Solo de Beto Guedes:

- A Página do Relâmpago Elétrico – 1977
- Amor de Índio – 1978
- Sol de Primavera – 1980
- Contos da Lua Vaga – 1981
- Lumiar (Coletânea) – 1983
- Viagem das Mãos – 1984
- Alma de Borracha – 1986
- Ao Vivo – 1987
- Andaluz – 1991
- Dias de Paz – 1998
- Beto Guedes 50 Anos / Ao Vivo - (DVD e CD) 2002
- Em Algum Lugar – 2004 
Aqui um link do you tube onde Beto Guedes canta a lindíssima "Amor de Índio":
http://www.youtube.com/watch?v=DGeQ-e9wjmM
 
Por Eumário J. Teixeira.

4 de dez. de 2008

BLUES, UM SOBREVIVENTE DE 100 ANOS !

Aqui no Brasil passou praticamente desapercebido, mas foi decretado pelo governo dos Estados Unidos da América no Norte, a cinco anos atrás, 2003 como Ano do Blues. Assim se fez justiça ao gênero musical mais importante surgido no século XX. A saber, foi em 1903 que o músico William Cristopher Handy (1873-1958), ouviu pela primeira vez o blues na sua forma mais primitiva possível. Segundo Handy, assim aconteceu: “Uma noite em Tutwiler no Mississipi, enquanto lutava contra o sono na estação à espera de um trem com nove horas de atraso, a vida subitamente me segurou pelo ombro e me despertou com uma sacudidela. Um negro esguio e desajeitado tinha começado a dedilhar um violão ao meu lado enquanto eu cochilava. Suas roupas eram trapos, os dedos dos pés saíam pelos buracos dos sapatos. Seu rosto transmitia algo de tristeza milenar. Ao tocar, ele pressionava as cordas do violão com uma faca da maneira popularizada pelos guitarristas havaianos, que usavam barras de aço. O efeito foi inesquecível”.
O jovem Muddy Waters (à direita) ainda adepto ao country blues
Este depoimento de W. C. Handy, está em sua autobiografia, Father of the Blues. A partir desta experiência inesperada na estação de trem, Handy começou a despertar para aquela música simples e sedutora que havia lhe tocado tão profundamente, procurando a partir daí observar e estudar músicos anônimos por todo o Delta do Mississipi que se apresentavam pelos botequins de beira-de-estrada, tocando lamentos já conhecidos como blues. Handy percebeu que apesar de ser uma música repetitiva e monótona, ainda assim despertava uma atração quase hipnótica por parte dos ouvintes, pois era honesta e emotiva, então, de imediato, começou a adaptar aquela música aos arranjos mais sofisticados de sua Big Band e se vangloriou mais tarde de ter apresentado o blues ao público das grandes cidades e ter sido um dos primeiros a gravar temas (já que ele não foi o único) com termo “blues” nos títulos, como em “The Memphis Blues” de 1912 e “Saint Louis Blues” de 1914, apesar da maioria de suas canções não seguirem a estrutura básica do blues.
Assim quis a história que a data oficial do nascimento do blues, fosse a mesma referida por W. C. Handy, na estação de trem de Tutwiler, o ano de 1903. Mas de qualquer forma o Blues já estava nos trilhos muito antes, independentemente do oportunismo de Handy. É fato que tudo começou ainda no século XIX, quando da chegada dos primeiros escravos africanos às plantações de algodão ao sul dos EUA, onde os negros desenvolveram as works songs para agüentarem o ritmo desumano do trabalho; canções estas que se adaptaram aos hinos religiosos herdados pelos brancos de seus descendentes europeus, transformando-se no gospel típico das igrejas batistas negras, ou seja, vibrante, dançante e cheio de energia, culminando por finalmente no blues herege e maldito, que migrou das plantações nas zonas rurais para as cidades mais importantes do Sul do país.

Mississipi John Hurt - O blues do Delta
A partir dos anos 20, com o recente término da I Grande Guerra Mundial, o mercado de discos se desenvolve e a venda de gramofones supera as expectativas. As gravadoras como a RCA Victor, Paramount e Columbia começaram a investir e apostar no talento de artistas mais ao Sul do país, revelando cantoras como Mamie Smith, uma das pioneiras do gênero, que gravou “Crazy Blues” com muito sucesso e, Bessie Smith, a “Imperatriz do Blues”, que gravou “Downhearted Blues” e outros temas, obtendo uma popularidade e fama jamais sonhados por uma cantora negra da época. Nos anos 30, se sobressaíram os bluesmen, que definitivamente deram a base para as futuras gerações. Cantores e guitarristas como Eddie “Son” House, Blind Lemon Jefferson, Charley Patton, Robert Johnson e Big Joe Williams, despertaram as gravadoras para a mina de ouro que estava no coração do Delta.
Após a II Grande Guerra Mundial, já no final dos anos 40, a cidade industrializada de Chicago (Illinois), mais ao norte dos EUA, tornou-se o alvo dos bluesmen vindos do Sul, à procura de fama, dinheiro e mulheres. Chicago passou a ser o celeiro do blues moderno e elétrico, como paralelamente as cidades de Memphis (Tennessee), New Orleans (Louisiana) e Detroit (Michigan) se tornaram pólos alternativos para o gênero. Foi a fase mais importante deste gênero musical, na qual o estilo se consolidou e fez escola, influenciando futuras gerações de músicos das mais variadas correntes musicais.
Nesta época se destacaram nomes como Muddy Waters, Howlin’ Wolf, Willie Dixon, Little Walter, T-Bone Walker, Sonny Boy Williamson II, Elmore James, B. B. King, John Lee Hooker, Champion Jack Dupree, Memphis Slim, Eddie Boyd, dentre outros.

Howlin' Wolf num "inferninho" em Chicago
Na metade dos anos 50 até início dos anos 60, outra geração de músicos surgiu, revigorando o cenário do blues negro, dentre os quais podemos citar os guitarristas Otis Rush, Magic Slim, Luther Allison, Buddy Guy, Freddie King e o gaitista Junior Wells. Para a geração branca de roqueiros dos anos 60, tanto o longínquo som rural e acústico de Robert Johnson quanto o som moderno, urbano e eletrificado de Otis Rush, seriam influências decisivas para a sua formação musical. Assim, como foi para os músicos britânicos de rock & roll e rhythm & blues, como Eric Clapton (Bluesbreakers, Cream), Peter Green (Bluesbreakers, Fleetwood Mac), John Mayall (Bluesbreakers), Rolling Stones, Animals e Yardbirds, da mesma forma seria para os seus colegas de profissão norte-americanos como Johnny Winter, Canned Heat, Mike Blomfield, Steve Miller, Janis Joplin, Jimi Hendrix e The Doors, o blues sempre estaria na base de tudo o que criassem.
Little Walter, eletrificou a gaita nos anos de 1950
O blues sobreviveu às décadas seguintes, superou todos os modismos e atualmente poucos “medalhões” estão vivos para cantar , tocar e testemunhar suas histórias, que se confundem com a do próprio blues. Ícones como B. B. King, considerado “Embaixador” e “Rei do Blues”, atualmente com mais de 80 anos de idade e Buddy Guy, chegando a casa dos setenta, ambos resistentes ao modismo e ao tempo, ainda cooperam para que o blues sempre tenha seu espaço assegurado. Os que tem bom gosto musical agradecem aos que se foram e nos deixaram esse tesouro valioso para desfrutarmos em vida, sem falar que ainda contamos com as performances vibrantes de Otis Rush, Magic Slim, Snooks Eaglin, Lonnie Brooks, Etta James, Koko Taylor , só para mencionar alguns.
Nos seus 100 nos de vida, o blues lamentou os amores perdidos, a solidão, a pobreza, a injustiça, a discriminação racial e política de forma irônica e rebelde, sem perder a elegância e a dignidade. É o que o mantém no topo, a sua capacidade de ser simples, direto e contundente. Vida longa ao blues!


Dentre muitos eventos foram lançados uma série de documentários em DVD para a comemoração do centésimo aniversário do Blues com direção de nomes consagrados do cinema:

 
- Feel Like Going Home (From Mali to Mississipi): Diretor Martin Scorsese – Mostra a viagem dos escravos da África para o Delta do Mississipi, onde o gênero foi gestado nos campos de algodão.

- Warning by the Devil’s Fire: Diretor Charles Burnett – Conta as tensões inevitáveis entre dois gêneros, o Gospel das igrejas e o Blues mundano.

- Piano Blues: Diretor Clint Eastwood – Explora a aventura do instrumento pelo Blues, com performances de Ray Charles, Fats Domino, Little Richard e Dr. John.

- Red, White & Blues: Diretor Mike Figgis – Trata da chegada do Blues à Inglaterra e seu retorno triunfal aos EUA, com depoimentos de Eric Clapton, Jeff Beck, Van Morrison, etc.

- Godfathers And Sons: Diretor Marc Levin – Uma viagem por Chicago no passado e presente, do Blues ao Hip-hop. Com performances inéditas de Howlin’ Wolf, Muddy Waters, Paul Butterfield Blues Band e participações de Otis Rush, Koko Taylor, Magic Slim, etc.

- The Road to Memphis: Diretor Richard Pearce – Refaz a odisséia musical de B. B. King, a maior lenda do Blues atual.

- The Soul of a Man: Diretor Wim Wenders – A história passo a passo de três lendas do Blues, Skip James, Blind Willie Johnson e J. B. Lenoir, com materiais e gravações de arquivos e covers inéditas com Lou Reed, Nick Cave, John Spencer Blues, etc. 



Vídeos de Martin Scorsese - Tributo ao blues
Por Eumário José Teixeira
   Blues, da origem aos nossos dias. 
Desde a origem nas work-songs entoadas pelos negros africanos escravizados nas plantações de algodão no Sul dos EUA no século XIX, até o surgimento dos primeiros profissionais ou bluesmen que viviam da música, o celeiro do blues sempre foi o Delta do Mississipi. A partir do século XX, mais precisamente na década de 20, o estilos já diferenciavam-se por regiões e se faziam representar por nomes exóticos como Blind Lemon Jefferson, Blind Willie McTell, Blind Willie Johnson, todos cegos (blind), que se tornaram ídolos dos não menos lendários, Charlie Patton, Eddie “Son” House, Bukka White, Big Bill Broonzy e Robert Johnson, defensores do legítimo blues caipira e artistas populares nos anos 30.
Assim, podia-se ouvir o blues sulista tradicional do Mississipi, como o blues urbano de Chicago ao norte, o estilo apimentado do Texas, a despojada variação de New Orleans e também a escola sofisticada da Costa Oeste. De todos os cantos do país surgiram importantes representantes das várias correntes, destacando-se figuras como Lightnin’ Hopkins (guitarrista texano de country blues), Big Joe Turner (shouter ou berrador, nascido em Kansas City), T-Bone Walker (mestre da guitarra que fez escola), Charles Brown da Costa Oeste e Champion Jack Dupree de New Orleans (ambos pianistas) a partir do final dos anos 40.
Em meados dos anos 50, os já veteranos bluesmen Sonny Boy Williamson II (o gaitista endiabrado), Howlin’ Wolf (o lobo uivador) e Elmore James (mestre de slide-guitar), finalmente começaram a se destacar em Memphis; ao mesmo tempo em que John Lee Hooker (the boogie man) conquistava seu espaço em Detroit.

A guitarra elétrica deu novo fõlego ao blues
Em Chicago, o blues se fortalece graças as contribuições de Willie Dixon (baixista, compositor e produtor), Jimmy Reed (rei do soft blues), Little Walter (mestre da gaita amplificada), Otis Spann (pianista) e Muddy Waters, este último responsável direto pela eletrificação definitiva do blues .
Pouco tempo depois, na mesma Chicago, mais precisamente no west side (lado oeste), de maioria negra, a partir do final da década de 50, surge uma prole de guitarristas que incendeiam o blues de vez, trazendo mais juventude, vigor e muita garra; entre os destaques dessa nova geração, estão Magic Sam e Luther Allison junto aos texanos Freddie King e Albert Collins (the ice man).

Muddy Waters, responsável direto pelo blues elétrico
Nas décadas de 60 e 70 estas lendas da música norte-americana se consagraram em excursões por toda Europa, conquistando o reconhecimento e glórias que não obtiveram no próprio país devido à segregação racial. Alguns foram tão bem acolhidos, que por lá ficaram, tais como os prestigiados pianistas Memphis Slim, Eddie Boyd e o já citado Champion Jack Dupree.
Nos nos 80, 90 e até os dias de hoje, em pleno século XXI, o blues admirado em todo mundo, é reconhecidamente um elemento conciliador, um meio pelo qual se possa unir as pessoas indiferentemente de raças ou credos pelo simples amor à boa música.
Seja através de um canto gutural e solitário ou acompanhado por acordes mágicos de uma guitarra, piano ou gaita, o blues sempre se fará ouvir, pois é sedutor e atraente e não costuma passar desapercebido.


Por Eumário José Teixeira.