30 de mar. de 2015

SUSO PEÑA E WALMIR AMARAL – A VERDADE POR TRÁS DO CAVALEIRO NEGRO


Há alguns anos decifrei um enigma que me atormentava desde minha infância. Estou atualmente com mais de meio século de existência, mas a verdade veio finalmente à tona para meu alívio. Desde criança eu curtia as revistas em quadrinhos que me ofereciam uma quantidade sem fim de heróis e super-heróis de diversas origens e formatos que preenchiam, digamos, o meu vazio existencial. Um dos heróis que mais me “fizeram a cabeça” foi o Cavaleiro Negro, um justiceiro que agia no território do Texas usando um lenço para encobrir o rosto, além de vestir roupas negras e uma capa vermelha (estilo Superman). Ele não voava (apesar da capa), mas tinha um cavalo branco que se chamava Satã que o acompanhava em suas aventuras. Como todo herói mascarado que se preze, o Cavaleiro Negro tinha sua identidade secreta, nas horas de “lazer” ele era o pacato Dr. Robledo que morava na cidade de Laredo. Entretanto, seu cavalo também assumia uma uma outra identidade, a de um pangaré que Dr. Robledo chamava de “Moleza”.

Uma versão clássica do Cavaleiro Negro desenhada por Juarez Odilon, e não por Walmir Amaral, como muitos pensam
Bem, além de curtir as aventuras dos meus heróis, eu também me interessava em saber quem as desenhava e as escrevia. Eu tinha o dom para desenho e aprendi a desenvolvê-lo justamente tentando reproduzir as figuras das revistas que eu colecionava. No caso do Cavaleiro Negro, eu tive dificuldade para indentificar de imediato o meu desenhista favorito dentre tantos outros que também desenharam o personagem.
As capas das revistas eram geralmente desenhadas pelo brasileiro Walmir Amaral nos anos de 1970.  Walmir chegou a desenhar algumas histórias do Cavaleiro Negro e assim aprendi a reconhecer seus traços agradáveis e perceber que ainda assim não eram tão atraentes como os do desenhista desconhecido que eu tanto admirava. Deixando claro que Walmir sempre foi um mestre dos quadrinhos para mim.
Outros desenhistas brasileiros como ele, foram subestimados e não tiveram o reconhecimento devido, apesar de uma quantidade extraordinária de trabalhos realizados durante mais de três décadas, como, por exemplo, o cultuado Eugenio Colonnese (italiano de origem, mas brasileiro por convicção) e o mineiro Mozart Couto (profissional desde 1979). Mas graças à internet que proporciona um acesso ilimitado de informações, comecei a pesquisar e visitar sites especializados nacionais e estrangeiros e achei a origem do personagem Cavaleiro Negro, seus principais desenhistas e sua saga aqui no Brasil.

Capas das revistas do Cavaleiro Negro no Brasil e Black Rider nos EUA
A Saga do Cavaleiro Negro – O personagem surgiu na revista All-Western Winners da Marvel Comics em 1948, nos Estados Unidos. Originariamente chamava-se Black Rider, mas ficou conhecido no Brasil como Cavaleiro Negro nos anos de 1960 e 1970 e, posteriormente (numa releitura do personagem), como Black Mask.
A identidade secreta de Black Rider (o original) era Matthew Masters, um fora-da-lei conhecido como Cactus Kid, que fora capturado e perdoado pelo governo com a condição de que abandonasse o crime e as armas, estudasse e se formasse em alguma profissão para viver uma vida pacata e produtiva. A escolha de Masters foi a Medicina. No Brasil, a identidade secreta de Black Rider era Doutor Heron Robledo, que vivia em Laredo e redondezas, no estado do Texas. Na versão americana, a cidade do Doutor Masters era Leadville. Doutor Robledo (ou Masters), era conhecido por ter aversão às armas e, portanto, considerado covarde pelos habitantes de Laredo (ou Leadville), mas em contrapartida, reconheciam-no como um excelente profissional médico.
A fama de covarde era um ótimo disfarce (além dos óculos) para Dr. Robledo agir como um justiceiro mascarado sem causar suspeitas. Ele usava um lenço escuro para encobrir o rosto, além das roupas e chapéu também negros.

Tiras do Cavaleiro Negro publicadas  no Brasil nos anos de 1950 e 1960
Seu “uniforme” de luta lembrava a outro herói pistoleiro muito conhecido da  TV e quadrinhos, o Durango Kid. A  diferença básica entre os dois é que o Cavaleiro Negro usava uma capa negra (que mais tarde se tornaria vermelha como a do Super-homem) e a identidade de Durango Kid era a de um valente Delegado Federal.
Ambos tinham um cavalo branco, o do Dr. Robledo chamava-se Moleza, mas quando seu dono se “transformava” em Black Rider ou Cavaleiro Negro, Moleza (Ichabod, na versão americana) deixava de ser o pangaré para se transformar no corcel fogoso chamado Satã. 

Durango Kid dando uma de Cavaleiro Negro no Brasil
É interessante saber que em determinada temporada, as aventuras do Durango Kid (mais tarde, publicadas pela EBAL) eram apresentadas como se fossem do personagem Black Rider (ou Cavaleiro Negro) no Brasil.
Black Rider fez um grande sucesso no Brasil de 1949 até 1952 na revista Gibi Mensal, publicada pela Rio Gráfica Editora, criado e desenhado pelo ilustrador norte-amercano Syd Shores.

Gringo (ou Ringo) do ilustrador espanhol Suso Peña
Surge Gringo para salvar o Cavaleiro Negro – A  Marvel teria parado com as histórias de Black Rider em meados dos anos de 1960 nos EUA, mas devido ao grande sucesso do personagem no Brasil, a Rio Gráfica Editora (RGE) resolveu improvisar e dar continuidade à revista.
A solução foi maquiar os quadrinhos de um personagem de bang-bang de origem espanhola, chamado Gringo (ou Ringo) conforme a editora publicadora. Assim, foi dado a alguns desenhistas brasileiros a incumbência  de retocarem Gringo, acrescentando-lhe chapéu, roupas e máscaras negras, além de escurecerem seus cabelos, pois o personagem original espanhol era loiro. Apesar das versões de Gringo retocadas, muitas aventuras inéditas do Cavaleiro Negro foram produzidas por artistas nacionais para saciar os fãs do personagem. Os principais artistas brasileiros que desenharam o Cavaleiro Negro foram Milton Sardella, Juarez Odilon, Gutemberg Monteiro e Walmir Amaral.

Exemplo 1 - Ringo retocado se transforma no Dr. Robledo (Cavaleiro Negro) no Brasil

Exemplo 2 - Gringo retocado por Walmir Amaral se transforma no Cavaleiro Negro, para o desconhecimento de Suso Peña, que está retratado por ele mesmo nessa tira cravando a placa do "end"
O autor original de Gringo (ou Ringo) era o ilustrador espanhol Suso Peña, um desenhista de quadrinhos reconhecido em seu país, que dentre outros personagens desenhou também Jeff Blake, o Homem de Pinkerton, que saía na Revista Kung, publicada pela EBAL, nos final dos anos de 1970.

O personagem Jeff Blake, o Homem de Pinkerton, que saiu no Brasil nas Revistas Kung Fu da EBAL nos anos de 1970, também foi desenhado por Suso Peña
Assim, finalmente descobri o nome do meu desenhista preferido de o Cavaleiro Negro, que era na verdade, o espanhol Suso Peña. Não sei se Peña teve conhecimento que seu personagem Gringo sofria retoques dos desenhistas brasileiros, de qualquer forma seu trabalho foi reconhecido por aqui, ao menos por mim.

Algumas capas da Revista Cavaleiro Negro desenhadas por Walmir Amaral que foram publicadas
no Brasil nas décadas de 1960 e 1970
O desenhista brasileiro que mais desenhou o Cavaleiro Negro (de minha preferência), seja retocando os desenhos de Suso Peña ou criando suas próprias estórias, foi Walmir Amaral. A maioria das capas das revistas do Cavaleiro Negro nos anos de 1970 foram desenhadas por Walmir, assim como as capas e mesmo algumas aventuras de outros personagens consagrados como Fantasma, Mandrake, O Vingador, Zorro (de capa e espada) e outros, todos pela RGE.

O mestre espanhol da ilustração,  Jesús de la Peña Santiago Rego
Suso Peña – Jesús de la Peña Santiago Rego, nasceu em Ribadeo en 02 de junho de 1941. Depois de servir o serviço militar no corpo de paraquedistas, trabalhou no chamado Grupo de la Floresta, uma equipe de ilustradores debutantes quem em 1967 instalou um estúdio num chalet de La Floresta, em Barcelona. O grupo era formado por Suso, Adolfo Usero, Ramón Torrents, Esteban Maroto, Luis García e Carlos Giménez. Suso compartilhou muitos trabalhos com o grupo de la Floresta e dando continuidade à sua carreira, desenhou para Sellecciones Ilustradas ; pela agência Josep Toutain teve seus trabalhos publicados na Alemanha; pela Editora editora Fleetway seus traços foram apreciados na Grã-Bretanha; e, em seguida, pela editora norte-americana Warren Publishing, desenhou para revistas especializadas em quadrinhos de terror. Nos anos de 1980, Suso abandonou as hqs para dedicar-se à fotografia, desenho gráfico e, nos anos de 1990, à realização de infografias e desenhos de páginas para a web.

Suso Peña em seu estúdio
Suso de la Peña faleceu em 02 de fevereiro de 2005, aos 64 anos, na sua cidade natal, Ribadeo. Em 4 de fevereiro de 2006, foi inaugurado um centro de exposição com seu nome no bairro de San Lázaro, em Ribadeo.

Cartaz celebrando os 10 anos da morte de Suso Peña
Dentre seus trabalhos mais famosos, se destacam: Cinco x Infinitus (em Delta 99, 1968); Safari en África (em Gran Pulgarcito, 1970); Gringo (em Gringo, 1970); La Cobra de Rajasthan/Aventuras en la Selva (em Trinca, 1971); La Saga de las Víctimas (em Dossier Negro, 1975); Jeff Blake, el Hombre de Pinkerton (em Kung Fu, 1977); e Wheeler (em Avui, 1983).

Walmir Amaral, a lenda viva dos quadrinhos nacionais
Walmir Amaral – O lendário desenhista brasileiro nasceu em 1939, no Méier, na cidade do Rio de Janeiro, em plena Segunda Guerra Mundial. Aos 15 anos já desenhava estórias em quadrinhos pornográficas para consumo próprio, já que (por ser menor) não podia adquirir as famosas revistinhas desenhadas por Zéfiro nas bancas, naquela época. Precoce em tudo, aos 17 anos, namorava com uma mulher mais velha que coincidentemente era secretária de um alto funcionário da Editora Rio-Gráfica (mais tarde, Editora Globo) nos anos de 1960. Ao ver seus desenhos, ela o indicou e ele logo foi contratado pela editora. Foram mais de 30 anos de sucesso desenhando histórias e capas para as mais diversas revistas. 
O Zorro desenhado por Walmir Amaral pela Editora Abril

Heróis dos quadrinhos que passaram pelos traços marcantes de Walmir Amaral: Cavaleiro Negro, Fantasma,  O Vingador, Cavaleiro Fantasma, Mandrake e Flecha Ligeira


Para citar alguns heróis em quadrinhos que passaram por seu traço inconfundível, podemos citar  o Cavaleiro Negro, Fantasma, Mandrake, Vingador, Cavaleiro Fantasma, Flecha Ligeira, etc. Walmir doou quase todo o seu acervo e originais para alguns fãs, para ele a era dourada das hqs já passou e não vê nenhum futuro promissor para os quadrinhos atualmente. Hoje em dia, Walmir produz material didático para CCAA, e também faz camisetas, banners e folhetos para blocos de carnaval. O mestre do desenho, Walmir Amaral, está atualmente com 76 anos.

O Fantasma numa versão caprichada para capa de Walmir Amaral
Walmir Amaral em foto recente

Por Eumário J. Teixeira