12 de abr. de 2009

ZÉ KETI & JAMELÃO, MESTRES SAUDOSOS DO SAMBA TRADICIONAL

Aquele samba-lamento que Alcione, a “Marrom”, canta emocionada “...não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar...” está cada vez mais atual. Não se faz mais sambas como antigamente, a poesia dos morros está morrendo ou pelo menos não se vê por aí indícios de algum movimento em prol da conservação da história de uma cultura musical tão original e rica, provinda do seio de uma comunidade de maioria negra discriminada e oprimida nos morros do Rio de Janeiro. Já a partir dos anos de 1930, compositores de samba começaram a se sobressair em suas comunidades chamando a atenção de caça talentos que saiam das áreas nobres da cidade maravilhosa atrás de sambas que eram vendidos a preço de banana pelos seus ingênuos criadores que esperavam em vão, algum retorno, enquanto ouviam suas obras ecoando nas rádios dos botequins cantadas por cantores premiados, sem que se ao menos mencionassem o nome dos reais autores. A partir da segunda metade da década de 1950 com o evento da bossa nova, vários mestres do samba foram resgatados pelos principais precursores deste novo ritmo, que seria uma versão jazzística do samba para intelectuais das classes mais privilegiadas da sociedade carioca. Houve uma troca, a bossa nova “chupou” o que pode do samba para se desenvolver, e o samba desceu os morros de encontro à mídia apoiados por gente como Vinícius de Moraes, Chico Buarque e Nara Leão. Além do mestre Cartola, que dispensa comentários, duas figuras me impressionaram sobretudo pelos belíssimos sambas que interpretaram, eram canções que iam além do rótulo de samba, podia-se ouvir boleros também e, a poesia das letras, que se amoldavam como luva nas músicas, eram de simplicidade cativante. Era difícil crer esses compositores que não tinham escolaridade primária, poderiam compor e interpretar obras de tão fina sensibilidade. Queria destacar desta vez dois caras do samba que eu sempre gostei de ouvir desde criança apesar de não saber direito quem eram e de onde vieram: Zé Keti e Jamelão!

O jovem sambista Zé Keti
Zé Keti – Nasceu no bairro de Inhaúma no Rio de Janeiro no dia 16 de setembro de 1921, apesar de ter sido registrado, segundo consta em 06 de outubro do mesmo ano e batizado como José Flores de Jesus. Filho de Josué Vale da Cruz que era marinheiro e tocador de cavaquinho, com três anos de idade foi morar com o avô João Dionísio Santana que era flautista e pianista, o que contribuiu para despertar a aptidão para música do pequeno Zé. Na casa do velho Dionísio ocorria regularmente umas reuniões de samba e figuras como Pixiguinha e Cândido das Neves (também conhecido como Índio) apareciam por lá. Após a morte do avô em 1928, mudou-se para rua Dona Clara. O pseudônimo “Zé Keti” foi adquirido por ser muito tímido e quieto quando criança, daí o chamavam de “ Zé Quieto”, “Zé Quietinho” até ficar como “Zé Keti”. Bastante influenciado pela musicalidade do pai, do avô e amigos músicos que frequentaram sua casa, Zé keti cresceu e na sua mocidade já cantava sobre a favela, a malandragem, o samba e seus amores mal resolvidos. No início da década de 1940 se integra à Ala de Compositores da Escola de Samba da Portela. Entre 1940 e 1943 compôs sua primeira marcha carnavalesca: “Se O Feio doesse”. Em 1946 “Tio Sam no Samba” foi sua primeira composição gravada pelo grupo Vocalistas Tropicais. Em 1951 com o samba “Amor Passageiro” em parceira com Jorge Abdala, tornou-se seu primeiro grande sucesso interpretado por Linda Batista. No mesmo ano compôs com Abdala “Amar é Bom” que foi gravado pelos Garotos da Lua. Em 1955 um dos seus maiores sucessos, “ A Voz do Morro", gravada por Jorge Goulart e com arranjo de Radamés Gnattali, fez enorme sucesso na trilha do filme "Rio 40 graus", de Nelson Pereira dos Santos. Neste filme, trabalhou também como segundo assistente de câmera e ator. Ainda nos anos 50 teve outro sucesso que foi “Leviana” incluída na trilha sonora do mesmo filme. No ano de 1962 formou o conjunto A Voz do Morro, do qual fizeram parte Elton Medeiros, Paulinho da Viola, Anescarzinho do Salgueiro, Jair do Cavaquinho, José da Cruz, Oscar Bigode e Nelson Sargento, lançando três discos. Em 1964 participou do Show “Opinião” ao lado de João do Vale e Nara Leão, que serviu para divulgar algumas de suas obras como “ Opinião” e “ Diz que Fui por Aí”. Em 1965 lançou “Acender as Velas”, uma de suas mais respeitadas composições, pois inclui-se entre as músicas de protesto da fase posterior a 1964, com uma letra de forte impacto, narrando o dia-a-dia dramático da favela. Elis Regina e Nara Leão fizeram muito sucesso com a gravação dessa música. Em 1964, além de gravar “Nega Dina” foi premiado com o troféu Euterpe como o melhor compositor carioca e junto a Nelson do Cavaquinho, recebeu o troféu Guarany, como o melhor compositor brasileiro. Em parceria com Hildebrando Matos, compôs em 1967 a marcha-rancho “Máscara Negra” gravada por ele mesmo e por Dalva de Oliveira, sendo a música vencedora do 1º Concurso de Músicas de Carnaval, que foi criado naquele ano pelo Conselho Superior de MPB do Museu da Imagem e do Som, fazendo um enorme sucesso nacional. A partir daí Zé Keti,como muitos outros compositores de samba tradicional foram esquecidos pela mídia. Mudou-se para a cidade de São Paulo na década de 80 e em 1987 sofreu seu primeiro derrame cerebral. 
Zé Keti, mestre compositor da Portela
Em 1995 volta a morar com uma das filhas no Rio de Janeiro, continuando a compor, cantar e chegou a gravar um disco. No ano seguinte lançou o CD “ 75 Anos de Samba” com participação de vários sambistas da nova geração como Zeca Pagodinho. Em 1997 recebeu da Portela um troféu em reonhecimento pelo seu trabalho e participou da gravação do disco Casa da Mãe Joana. Em 1998 ganhou o Prêmio Shell pelo conjunto de sua obra de mais de 200 músicas. Na noite de premiação foi homenageado por muitos músicos como Paulinho da Viola, Élton Medeiros, Monarco e a Velha Guarda da Portela, em show dirigido por Sérgio Cabral no Canecão no Rio de Janeiro. Em janeiro de 1999, recebeu a placa pelos 60 anos de carreira na roda de samba da Cobal do Humaitá. Ainda em 1999, apresentou-se ao lado da Velha Guarda e teve vários de seus sucessos regravados, até que aos 78 anos, em 14 de novembro do mesmo ano, faleceu em decorrência de falência múltipla dos orgãos. Outros sucessos de Zé keti são: “Mascarada”, “ Malvadeza Durão” , “Jaqueira de Portela” e “ Meu Pecado”.

- Trecho de a “ A Voz do Morro” com Zé Keti:

Eu sou o samba
A voz do morro
Sou eu mesmo sim senhor
Quero mostrar ao mundo
Que tenho valor
Eu sou o rei do terreiro...”

- Trecho de “ Acender as Velas” com Zé Keti:

Acender as velas
Já é profissão
Quando não tem samba
Tem desilusão
É mais um coração
Que deixa de bater
Um anjo que vai pro céu
Deus me perdoe, mas vou dizer...

Mestre Jamelão
Jamelão – Nascido no Rio de Janeiro, mais precisamente no bairro de São Cristovão em 12 de maio de 1913, Jamelão ou melhor, José Bispo Clementino dos Santos, passou a sua juventude no Engenho Novo. Com a separação dos pais teve que trabalhar cedo para ajudar sustentar sua família. Através de um amigo que era sambista, conheceu a Estação Primeira de Mangueira e se apaixonou perdidamente pela escola de samba. Integrou-se rapidamente à escola e logo começou a tocar tamborim na bateria da Mangueira tornando-se em seguida um dos seus principais intérpretes, mais tarde passou para o cavaquinho e baseando-se no estilo de Cyro Monteiro, começou a apresentar-se em gafieiras onde ganhou o apelido de “Jamelão” na capital fluminense e, consequentemente, também conseguiu trabalhos no rádio reforçando sua fama de excelente intérprete. Em 1945 participou do programa Calouros em Desfile, comandado por Ary Barroso, interpretando "Ai, que Saudades da Amélia", de Ataulfo Alves e Mário Lago. A partir daí conseguiu trabalhos no rádio e em boates, participando também como crooner da Orquestra Tabajara de Severino Araújo, com quem excursionou à Europa. Foi corista do cantor Francisco Alves e, numa noite, durante uma apresentação deste, assumiu seu lugar no palco para cantar uma música de Herivelto Martins, destacando-se então. Mas a consagração mesmo veio como cantor de samba. Entre seus inúmeros sucessos, estão "Fechei a Porta" (Sebastião Motta/Ferreira dos Santos), "Leviana" (Zé Kéti), "Folha Morta" (Ary Barroso), "Não Põe a Mão" (P.S. Mutt/A. Canegal/B. Moreira), "Matriz ou Filial" (Lúcio Cardim), "Exaltação à Mangueira" (Enéas Brites/Aluisio da Costa), "Eu Agora Sou Feliz" (com Mestre Gato), "O Samba É Bom Assim" (Norival Reis/Helio Nascimento) e "Quem Samba Fica" (com Tião Motorista). De 1949 até 2006, Jamelão foi intérprete de samba-enredo na Mangueira, sendo a voz principal a partir de 1952, quando sucedeu Xangô da Mangueira. Em Janeiro de 2001 recebeu a medalha da Ordem do Mérito Cultural entregue pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso. 
Jamelão entre Milton Nascimento e Chico Buarque
Devido a problemas de saúde, pois teve problemas pulmonares e desde 2006 sofrera dois derrames, acabou por afastar-se da Mangueira, declarando em uma entrevista: “Não sei quando volto , mas não estou triste” . Infelizmente no dia 14 de junho de 2008, o velho mestre Jamelão, fiel torcedor do Clube de Regatas Vasco da Gama, faleceu aos 95 anos na Casa de Saúde Pinheiro Machado, em sua cidade natal, por falência múltipla dos orgãos, O sepultamento foi no Cemitério São Francisco Xavier, no bairro do Caju, no Rio de Janeiro. Jamelão foi o maior intérprete dos sambas-canções doloridos de Lupicínio Rodrigues, como "Esses Moços", "Ela Disse-me Assim", "Torre de Babel", "Quem Há de Dizer", "Sozinha" e "Exemplo". Gravou dois LPs dedicados à obra do compositor gaúcho, acompanhado pela Orquestra Tabajara do maestro Severino Araújo: "Jamelão Interpreta Lupicínio Rodrigues" (1972) e "Recantando Mágoas - A Dor e Eu" (1987). Em 1997 a gravadora Continental lançou a coletânea "Jamelão - A Voz do Samba", em 3 CDs.

- Trecho de “ Folha Morta” com Jamelão:

Sei que falam de mim
Sei que zombam de mim
Oh, Deus como sou infeliz
Vivo às margens da vida
Sem amparo ou guarida
Oh, Deus como sou infeliz...

- Trecho de “ Nunca” com Jamelão:

Nunca, nem que o mundo caia sobra mim
Nem se Deus mandar, nem mesmo assim
As pazes contigo, eu farei
Nunca, quando a gente perde a ilusão
Deve sepultar, o coração, como eu sepultei...

Aí está um link do you tube com Zé Keti cantando "Mascarada": http://www.youtube.com/watch?v=X_BYC1opLhI
e outro link com Jamelão interpretando "Ronda":http://www.youtube.com/watch?v=LDmR-r-eVv8
 
Eumário J. Teixeira