23 de nov. de 2008

CARTOLA - SAMBA E POESIA


Se o senhor Angenor de Oliveira por um capricho do destino tivesse nascido nos Estados Unidos da América, certamente teria sido um bluesman e dos bons. E talvez teria melhor sorte e reconhecimento, apesar de que a maioria deles só foram reconhecidos mesmo após a derradeira viagem sem volta. O mestre foi autor de pérolas como a belíssima “O Mundo é Um Moinho” (samba favorito de Carlos Drummond de Andrade), “Preciso Me Encontrar” e “Acontece”, que ao meu ver são de uma sensibilidade e dor comparáveis a um lamento de blues oriundas do Delta do Mississipi. 
Cartola, mais que um sambista, um poeta
Mas Cartola nasceu no Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro em 11 de outubro de 1908 num domingo de primavera. Foi o quarto filho de um total de sete e sempre demonstrou desde criança seu gosto pelo carnaval. Passou sua infância no bairro de Laranjeiras, mas 11 anos mudou-se junto com a família para o Morro da Mangueira pois passavam por apuros financeiros. Cartola concluiu apenas o primário na escola e talvez por isso sempre teve dificuldades para arranjar um emprego formal, sobrevivendo através de bicos como pedreiro, pintor de paredes, lavador de carros, vigia de prédio e contínuo de repartição pública. Foi num bico como pedreiro que ganhou seu apelido, "Cartola". Quando trabalhava com cimento estava sempre sujando os cabelos, o que o desagradava bastante pois ele era muito vaidoso. Decidiu então a sempre usar um chapéu coco, assim seus cabelos estavam protegidos do cimento. Os companheiros da obra então o apelidaram de Cartola. 
Cartola, 1976 - O Mundo é um Moinho, As Rosas não falam...
Quando sua mãe, Dona Aída, falece prematuramente, seu pai que era um rigoroso disciplinador o expulsa de casa aos dezessete anos de idade. A partir daí a vida do jovem Cartola torna-se ainda mais desregrada, envolvendo-se com todo tipo de mulheres, adoecendo com gravidade, chegando a ter que deixar o emprego. Mas com o apoio de amigos fiéis se cura e volta para a luta passando a compor e vender sambas, como fazia o também compositor e amigo íntimo, Noel Rosa. O primeiro que compôs para venda foi “Que Infeliz Sorte”, de 1927, ao preço de 300 contos de réis, sendo este gravado por Francisco Alves. Na década de 1920, os blocos de carnaval começaram a se organizar em forma de sociedades permanentes, e assim em 28 de abril de 1928, Cartola se reune na casa de Euclides da Joana Velha, com Saturnino Gonçalves, Marcelino José Claudino, Pedro Caim e Abelardo da Bolinha e Zé Espinguela e fundam a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira. As cores verde e rosa e o nome da escola foram escolhas de Cartola. A escolha das cores foi uma homenagem ao seu amado Fluminense, clube de futebol do Rio de Janeiro que utiliza-se de combinações mais sóbrias das mesmas cores (grená, verde escuro e branco). Já no primeiro desfile com o samba enredo “Chega de Demanda” de Cartola, a Mangueira ganha seu primeiro prêmio de carnaval, desfilando na Praça Onze. 
Cartola, nosso samba-man, em frente ao Zicartola
Mas quando tudo parecia estar bem para Cartola e a Mangueira, ocorrem divergências com a direção da Escola e o mestre permanece afastado dos desfiles de 1949 a 1977. Ele afirmava que os diretores da Escola haviam reduzido a Escola num reduto político e eleitoreiro. Contrariado, Cartola se muda para a Baixada Fluminense e as coisas se agravam ainda mais, sua companheira falece e ele contrai meningite. Nos anos 50, o jornalista Sérgio Porto o descobre lavando carros anonimamente, num posto em Ipanema e o relança como compositor e cantor. Com a saúde restabelecida, Cartola volta para o morro da mangueira em 1952 e conhece dona Euzébia Silva do Nascimento, conhecida por Dona Zica, que era irmã da esposa de Carlos Cachaça, compadre de Cartola. Cartola e Dona Zica se casam em 1964, depois de viverem juntos por doze anos. Certamente o convívio com Dona Zica inspirou Cartola a compor obras primas como “As Rosas Não Falam”, “Nós Dois”, “Tive Sim” e “O Sol Nascerá”. Ainda nos anos 60 Cartola, Dona Zica fundam o botequim Zicartola, que se estabelece como um ponto de encontros de grandes sambistas como também de onde surgiriam novos talentos. Por incrível que pareça Cartola só grava seu primeiro disco em 1974, denominado simplesmente de Cartola e em 1976 grava o seguinte; mas em 30 de novembro de 1980 falece vitimado por um câncer no Rio de Janeiro, aos 65 anos e como no seu nascimento, num domingo de primavera. 
Verde que te quero Rosa, 1977
Por ironia do destino, apesar do seu sucesso como autor de inúmeros sambas consagrados, morreu pobre numa casa em jacarepaguá, que foi doada pela Prefeitura do Rio de Janeiro. E pensar que hoje em dia qualquer um pode se tornar “celebridade” e ganhar fortunas com a gravação de um único hit de veraneio descartável, com o apoio compassivo e comprometedor da mídia em geral.

Albúns gravados pelo mestre Cartola e que são indispensáveis para quem quer conhecer a beleza da verdadeira poesia do samba:

- Cartola (1974)
- Cartola (1976)
- Verde Que Te Quero Rosa (1977)
- Cartola 70 Anos (1978)
- Cartola Ao Vivo (1982) 

Eis link do clip do cartola no you tube cantando a belíssima "O Mundo é um Moinho" para seu pai: 

Por Eumário José Teixeira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário